19 maio 2007

Paraty - Anotações

Uma saída fotográfica envolve imagens e uma porção de idéias. Aqui vão as idéias:

O que mais me agrada em Paraty é o desconforto de seu calçamento irregular. As pedra desniveladas das ruas do centro histórico são um desafio para o equilíbrio dos transeuntes.
Outra percepção convidativa, no entanto nem sempre agradável, são os ”cheiros” da cidade. O olfato se perde nas nuancias entre maresia, peixe frito ou esgoto.
Ambas situações, equilîbrio e olfato, não estariam presentes em quaisquer das fotos que faria.
Enquanto caminhava meus ouvidos furtavam diferentes sotaques, a predominância dos franceses me fazia ironizar e imaginar o sucesso que a novela “Escrava Isaura” teria feito entre eles.
Bom, os sotaques também não seriam transmitidos nas fotos.
O que seria então?
No metrô, ainda em São Paulo, pouco antes de embarcar para Paraty, duas moças me chamaram a atenção: uma pelo corte e cor do cabelo e outra por um calçado amarrado ao lado da mochila; ambas pareciam estrangeiras e prontas para alguma aventura nas terras tupiniquins. O deslumbramento que os estrangeiros tem pelas terras tropicais é algo intrigante. Convivendo com temperaturas baixas e uma vegetação monótona – se comparada a nossa biodiversidade – para o pessoal do hemisfério norte isso aqui é o paraiso, embora o noticiário diga o contrário.
Em uma viagem que fiz para Ilha do Mel, tão importante quanto as fotos que tirei foi a imagem que guardei em minha lembrança de um jovem alemão de pele muito clara e um pouco gordo que maravilhado anotava tudo em uma caderneta. Enquanto ele escrevia eu fotografava, infelizmente jamais saberei o conteúdo descrito ou narrado, talvez, inclusive, eu figurasse como “uma fotógrafa que não parava de fotografar”. O fato é que a natureza não tem nacionalidade e nos humanizamos mais quando rompemos fronteiras com boas intenções, e embora essa afirmação seja refutada facilmente no campo político, aqui a faço com caráter puramente idílico, porém não menos possível, pois quando falamos em arte e expressão humana as possibilidades são infinitas.
Indo para Paraty, esse meu “fascinio pelo fascinio” dos estrangeiros foi novamente surpreendido quando ao terminar de comprar minha passagem, surgiram atrás de mim as estrangeiras do metrô, ou seja, tinhamos o “paraiso” em comum.
“Paraíso”, que como disse, era sujeito a escorregões e aromas desagradáveis. Historicamente tudo pode ser explicado da seguinte maneira: no início do século XVIII, devido às epidemias de cólera e febre amarela, a preocupação com a salubridade fez com que o projeto da vila de Paraty previsse que as ruas fossem feitas com uma leve curvatura para evitar vento encanado (considerado na época um transmissor de doenças), escoar água da chuva e permitir a invasão de marés mais altas como forma natural de manter a cidade limpa. O calçamento de pedras irregulares - conhecido como pé-de-moleque – era para evitar atoleiros em dias de chuva e nuvens de poeiras em tempo ensolarado feitos pelas tropas de mulas, carregadas com ouro ou café. Até 1980 o calçamento de pedras estava alinhado e na mesma altura. Porém, nesse ano, a construção da rede de esgoto promoveu a retirada das pedras e sua recolocação foi toda desnivelada.
A idéia inicial de assepsia da vila é a responsável pelas inúmeras e belas fotos com possas d‘águas refletindo o casario do centro histórico.
A desestabilidade das ruas é quase um incômodo existencial, você se pergunta “por que” e viaja no tempo. No vai e vem das idéias, os olhares vão se formando, existem as fotos “clássicas”: fachadas, a vista do cais para o continente e detalhes de arquitetura; mas um sotaque me chamava para fotos mais “especiais”, eram as paisagens, era tentar ver o incomum. Novamente uma influência da pintura se fez mais forte em meu trabalho, do passeio de escuna ou das manhãs de contra-luz visualizei uma grande tela e possíveis composições e matizes de cores.
No último dia eu tentava fazer uma foto “clássica”: um reflexo do casario no vidro de uma janela, uma senhora francesa interpretou a ação como o desejo de um auto-retrato e se ofereceu em inglês para fazer uma foto minha com minha máquina, achei gentil da parte dela e consenti com a idéia. No dia anterior, um argentino já havia me pedido para tirar uma foto com a máquina dele, retribui o gesto com o mesmo pedido mas como minha máquina e meu retrato. Entre gentilezas, erros e acertos de idiomas Paraty se faz “Paratodos” e os escorregões são superados.

Um comentário:

Anônimo disse...

que lindo minha querida!!! adoro as suas fotos! beijokas, caroleta