Eis que meu nome não estava entre os contemplados.
Eis que terei que lidar com a incapacidade alheia ao equivocar-se em não reconhecer um bom trabalho.
Eis que a irônia me conforta...
Assim registrado o desabafado, vamos as imagens.
Antes porém, faço algumas considerações.
Embora o trabalho não tenha se encaixado ao tema proposto, segundo a comissão de seleção, achei de grande valia produzir fotos a partir da proposta do concurso: Paissagens Transitórias.
O que seria "paisagem" e o que seria "transitório"? Num texto um pouco mais esclarecedor, o responsável pelo prêmio falava na dualidade temporal, antigo e novo, perceptível nas grandes cidades.
Interessante observar que a publicação da obra “A cidade e as serras” de Eça de Queiroz em 1901 colocava em destaque a oposição entre cidade e campo, esta questão permearia todo século XX, consolidando-se no modelo urbano em detrimento do rural.
Atualmente, o conflito se instala na velocidade com que diversos processos acontecem e a nossa capacidade de assimilá-los.
Para Eça, a questão seria a adoção, ou não, cada vez maior da tecnologia. Nós talvez já não tenhamos essa escolha, um computador que não seja atualizado pode se transforma em algo inútil num prazo mínimo de tempo; o celular incorpora signicativas mudanças regularmente fazendo com que a troca de aparelhos seja quase obrigatória; a metrópole se expande e as alterações de trânsito já nos fazem pensar em aparelhos com imagens e indicações transmitidas por satélite em tempo real…pergunto se só nos resta consumir?
A resposta é negativa, pois pensar nos processos que estamos inseridos já nos dá condições de alterarmos algo que acreditamos ser necessário. Assim a proposta do prêmio Porto Seguro, se inscreve numa questão maior do que ser selecionado ou não, mas num desafio interpretativo de assumir o que nos consome, no caso, para nós fotógrafos, as camadas temporais perceptivas no desenho urbano.
Atrás das tais camadas temporais e do desenho urbano, comprei o bilhete de trem entre as estações Barra Funda e Luz, as ruínas paralelas a linha férrea poderiam me dizer algo.
Li certa vez que para conhecer o Brasil era necessário andar de ônibus, adorei tal idéia e toda vez que me vejo num sufoco dentro do “coletivo” penso o quanto estou aprendendo (isso quase alivia o sufoco). Bem, o fato é que andar de trem também nos dá a dimensão exata do que não está em nenhuma publicidade. O Brasil pobre, feio e digno está ali.
Quando puxo minha máquina e começo a fotografar os olhares dos demais passageiros não entendem meu interesse pelo trajeto.
Como as máquinas digitais já estão popularizadas pelo altos imposto e contrabando, não me sinto ameçada por um possível roubo e os olhares vão se dispersando.
Ali no vagão sei que o Brasil digno pode roubar por necessidade, em outros lugares rouba-se também por diversos motivos.
Tendo em mente questões sociais, políticas, econômicas e sociológicas o conjunto de fotos que fiz ficaram simplesmente…horríveis.
Contei a experiência para alguns amigos e aquilo ficou me perseguindo, porque tive que fazer uma “viagem” pela situação do Brasil e as fotos não saíram? Por que aqueles fios ficavam na frente das ruínas? Os fios eram ruídos? As linhas do trem eu esperava, mas nem podia imaginar os fios de eletricidade que acompanhavam todo o trajeto. Não apareceu nem andarilho pra fazer qualquer contraponto. Eram imagens vazias que pareciam ter sido deixadas por outra civilização após uma bomba nuclear.
Da insatisfação com as linhas, o vazio e a paissagem surreal percebi que talvez estes fossem o verdadeiro foco de atenção.
As linhas poderiam ser o meu desenho, ou melhor, com elas eu desenharia a minha paisagem urbana, a minha transitoriedade do antigo, para o atual e deste para o surreal.
Em primeiro lugar retirei a parte inferior das imagens, pois queria evidenciar as linhas e depois busquei no photoshop algo como um negativo preto e branco.
A idéia do negativo foi para resgatar esse “objeto” que o processo digital suplantou. O resultado foi um ensaio distante de questões ideológicas mas muito pertinente a apreciação estética. Nunca saberei porque não fui selecionada, mas esse conjunto de idéias e imagens tornaram-se prêmios valiosos.
A produção artística é permeada de idéias que podem fazer parte do conjunto final da obra ou não,mas acredito que sempre será uma boa contribuição a exposição de todo o processo. Assim, tão importante quanto os acertos são os erros se estes forem devidamente observados.
Comprem seus bilhetes, o trem vai sair.











Um comentário:
Olá Valeria,
tivemos um contato remoto em 2000 por ocasião da Mostra do Redescobrimento. Por favor, entre em contato comigo. Assunto: pesquisa iconográfica.
Abr
Bia Blay
biablay@gmail.com
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