21 abril 2009

Vila Maria Zélia








Não dormi bem.
Ruínas, árvores e quase um mau cheiro me sufocavam numa atmosfera úmida.
O tempo escorrido nas paredes e um nome: Maria Zélia.
Uma voz masculina, cavernosa e lenta: M-a-r-i-a-Z-é-l-i-a.
Um sussurro em suspiro e um nome próprio feminino.


Agora, um barulho de apito de fábrica, ou será um aviso anti-aéreo.
Vozes de crianças, som de bola e uma voz aguda fala rapidamente: mariazélia.
Quase desperto, mas vejo crianças barulhentas subindo uma escadaria. Estamos em uma escola, agora o silencio sepulcral moldura estudantes uniformizados que se dirigem em uma fila espartana, sala de aula adentro. Os uniformes denunciam: estamos em 1920. Os sorrisos só se esboçam quando a professora está de costas. O recreio já se foi e a hora do almoço se aproxima. A mãe prepara a comida perfumada. O pai chega da fábrica. A fábrica? Cia Nacional de Tecidos de Juta em São Paulo.
Para abrigar os trabalhadores o senhor Jorge Street constrói a primeira vila operária do Brasil a nossa: Vila Maria Zélia. O empreendimento pioneiro foi inaugurado em 1917 com aproximadamente 200 casas e 600 moradores.
Mas eu não entendo porque uso a nossa aqui. Nunca morei lá. Tirei somente algumas fotos e já estou acordando.
No fundo da Vila, as águas do Tietê foram um convite para a meninada nadar nos finais de tarde.
Hoje, resta pouco da arquitetura original, as fotos servem mais para análise estilística num estudo sobre fachadas de moradias. Eu poderia me atrever a fazer um ensaio com os diversos moradores idosos, mas não sei se a timidez ou reconhecimento de algo maior me impedem de alguns cliques atrevidos.
Detenho-me nas ruínas...
Não sei se quero ir além das ruínas ou se seriam elas que não me deixam ir além?
Maria Zélia era o nome da filha do industrial, o senhor Street, que faliu poucos depois da inauguração da Vila deixando nos empresários da época a certeza de que a preocupação social com funcionários não resultava em “final feliz”.
Sem fotografar, há alguns meses, dirijo-me com minha pequena Cartie-Bresson ( nome dado carinhosamente a minha compacta máquina Sony, de nada modestos 13 megas, em homenagem ao mestre), pelas ruas dos bairros do Brás e do Belenzinho caminho. Fui de ônibus. Vi diversos imigrantes bolivianos que trabalham clandestinamente e em regime escravo nas fábricas de coreanos. Globalização? Não sei. Subo, desço e caminho pela sombra. O sol vai forte no céu e garante a perspectiva de fotos m-a-r-a-v-i-l-h-o-s-a-s. Mas venho negando as boas cores e os bons enquadramentos. Me cansa o belo e o exótico das manifestações populares, fotos ganhadoras de concurso, cultuadas entre os iniciados da fotografia e de pouco retorno para o retratado.
Cansam-me as objetivas caras ( e olha que comprei duas a pouco tempo) que alimentam um consumismo insaciável, fotógrafos e seus papos sobre e-q-u-i-p-a-m-e-n-t-o...me afasto...
Ruas de comércio popular são infernais, mas permanecem cheias. Quando entro na rua Catumbi, os galpões e as casas desgastadas anunciam a proximidade da vila, avanço num silencio ruidoso como o do intervalo entre o som de uma onda e outra, como o do intervalo entre um ensaio fotográfico e outro.
Silencio ruidoso: M-a-r-i-a -Z-é-l-i-a, sussurra a voz interior...

Um comentário:

Unknown disse...

Olá !!! minha mãe morou na vila Maria Zelia, e estudou naquela escola,temos vontade de voltar lá para passeio Obrigada bjs JANETE